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segunda-feira, 11 de julho de 2011

Em Defesa do Guarda-Chuva

Artigo da Última Página da Revista Algomais, ed. 63 de Junho/2011
Clique aqui para baixar a Algomais #63

Sempre me chamou a atenção a ojeriza que uma boa parte dos recifenses tem a guarda-chuvas e sombrinhas. Tento achar uma razão racional para isso e não encontro. Afinal, desde que me entendo de gente usei guarda-chuvas porque, sempre andei bastante pela cidade e nunca gostei de chegar ao destino como um pinto molhado.

Um certo dia, essa minha preferência virou convicção quando vi o eminente ecólogo (hoje seria chamado de “ambientalista”), professor João Vasconcelos Sobrinho, andando pela rua, num dia estiado mas sujeito a “pancadas esparsas” segundo o jargão da época, segurando uma descolada pasta de couro marrom da qual pendia, elegantemente encaixado num suporte próprio, de fábrica, um guarda-chuva normal, dos grandes.

Fiquei vivamente impressionado com a praticidade e, mais do que isso, com a naturalidade com que o professor (por sinal, uma figura humana encantadora) “assumia” o guarda-chuva quase que como um componente da indumentária. Ato contínuo, bati todo o comércio da cidade atrás de uma pasta semelhante (já que sabia impossível uma igual pois era evidente que se tratava de um produto adquirido no exterior). Terminei encontrando uma parecida e a adaptei para receber o guarda-chuva grande. Em todo lugar onde chegava, era a maior greia... Chamava tanta atenção pelo inusitado que um belo (e chuvoso) dia, esperando o elevador no prédio da Secretaria da Fazenda onde trabalhava, alguém que vinha pelo corredor lateral e não me via mas via um pedaço da pasta com o guarda-chuva, falou para o acompanhante: “olha Chico ali, esperando o elevador...”.

Já tinha visto na faculdade um pouco da pluviometria local mas, depois de me aprofundar mais no assunto, passei a embasar tecnicamente meu apreço pelo invernal utensílio. No Recife temos mais ou menos seis meses “secos” (setembro a fevereiro, com precipitação mensal média abaixo de 80mm e vales em novembro e dezembro abaixo de 50mm) e seis meses “chuvosos” (março a agosto, com precipitação mensal média acima de 250mm e picos em junho e julho acima de 400mm). No total temos uma precipitação anual média acima de 2.000mm (ou seja, 2 metros de água), o que é uma quantidade de chuva razoável e dispersa (afinal, chove todos os meses, uns mais, outros menos) para sair sem guarda-chuva por aí na vã esperança de não se molhar. Simplesmente impossível.

Por isso, tenho recomendado, a quem vejo molhado ou preso nos lugares sem poder sair por causa da chuva, a comprar guarda-chuvas. E muitos. No começo do “inverno” comprei logo 10, daqueles chineses, automáticos, tamanho grande (os pequenos dobráveis são terrivelmente incômodos e demasiado frágeis) pois “desgraça pouca é bobagem”. Como estava “fora de temporada”, ainda consegui pelo preço de R$ 5,00 cada. Hoje está por R$ 10,00 mas vale. Tecnologia barata e eficiente naquilo para que é usada: evitar que o usuário fique molhado. A quantidade se justifica pela qualidade “descartável” (são produtos de massa, chineses por derradeiro) e pela alta probabilidade de perda. Como o tempo muda com muita rapidez na cidade, sobretudo nos meses de maior pluviosidade (um dia que começou com sol pode se transformar em chuvoso em 15 minutos e vice-versa), não é raro sair com um guarda-chuva debaixo de chuva e esquecê-lo em algum lugar depois que o tempo abre. Com muitos, não se fica sem.

Em resumo, a questão é essa: não dá para ficar sem se molhar, durante os meses chuvosos no Recife, a não ser que não se precise sair à rua. Se sim, é indispensável o guarda-chuva ou a sombrinha. Não querer usá-los é da mesma natureza de se recusar a andar de casaco ou de sobretudo na neve. Poder, pode, só que as conseqüências são óbvias, previsíveis e danosas à estética e à saúde.


Autor Francisco Cunha - @cunha_francisco

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