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terça-feira, 8 de novembro de 2011

Pedágio Urbano

Artigo da Última Página da Revista Algomais, ed. 66 de Setembro/2011
Clique aqui para baixar a Algomais #66

Não sou especialista em transportes mas como presto consultoria em gestão a empresas de transporte publico de passageiros da Região Metropolitana do Recife (e ao próprio sindicato da categoria), desde há quase 20 anos, terminei me interessando pelo assunto e me aprofundando nele como que por “osmose”. Isso, aliado ao fato de ter estudado urbanismo na faculdade e de ter palmilhado o Recife inteiro várias vezes e em todas as direções nas caminhadas domingueiras (ou não), me fazem ter chegado a algumas convicções sobre o tema que foram sendo testadas ao longo dos anos pela pesquisa e pelas observações que fui fazendo nas viagens a diversos outros países, a passeio ou trabalho.

A primeira delas é que o principal problema das cidades brasileiras nos próximos anos (talvez na próxima década) é o da mobilidade. Afinal, o Brasil em apenas cerca de meio século inverteu a ocupação territorial, deixando de ser 80% rural e 20% urbano para ser, hoje em dia, acima de 80% urbano, com uma população mais do que dobrada. Além disso, desenvolveu fortemente a cultura rodoviária e automobilística sem o necessário e indispensável investimento público em planejamento urbano e em sistemas estruturais de transporte coletivo, na intensidade e no ritmo que o acelerado processo de urbanização requeria. Resultado: o incentivo à produção e aquisição de automóveis e motocicletas, turbinado pela recente ascensão de mais de 30 milhões de pessoas à condição de novos consumidores desses produtos, trouxe para o presente um problema que se manifestaria um pouco mais adiante. Para se ter uma idéia, só na RMR ingressam 60 mil novos carros por ano. Isso equivale ao incremento mensal de uma quantidade de automóveis igual à que comporta uma Avenida Boa Viagem totalmente engarrafada, da curva do Pina ao antigo Hotel Boa Viagem. Não há alargamento de vias nem construção de viadutos que, sozinhos, resolvam (a propósito, o urbanista Jaime Lerner define “viaduto” como sendo “a distância mais curta entre dois engarrafamentos”).

Por conta desse fenômeno avassalador, minha segunda convicção é a de que o problema só pode ser atacado com o investimento maciço dos governos em sistemas estruturais de transporte público/coletivo de qualidade. E, aqui, abro um parênteses para louvar a recente decisão do Governo de Pernambuco que, por intermédio as Secretaria das Cidades, anunciou um pacote de investimentos para implantação no Recife de quase 100km de corredores inteligentes chamados BRT (Bus Rapid Transit), sistema servido por ônibus de alta capacidade e rapidez que utiliza corredores exclusivos, o mais adequado e testado para cidades que não têm recursos nem condições geológicas para construir metrôs debaixo da terra como é o caso do Recife. É muito bom constatar que finalmente os esforços estão sendo feitos na direção certa.

Por fim, minha terceira convicção é a de que, implantado um sistema de transporte coletivo estrutural e de qualidade superior, será chegada a hora inescapável de implantar o pedágio urbano como já fez, Cingapura, Londres e Estocolmo, por exemplo. Já que não é possível restringir a compra de veículos automotores (pelo contrário, até, uma vez que há uma evidente política de estimular essa compra), vai ser necessário impor restrições à sua circulação nas grandes cidades. Da última vez que disse isso no Twitter levei uma verdadeira surra virtual. Trata-se, evidentemente, de uma medida impopular e dura para quem tem ou pretende ter carro mas, infelizmente, inevitável. Afinal, mesmo no melhor cenário, a situação vai piorar muito antes de começar a melhorar. O pedágio urbano pode demorar cinco anos ou mais porém sem dúvida virá e quanto mais cedo formos conversando e discutindo a respeito, melhor.

Autor: Francisco Cunha - @cunha_francisco

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